A não-revogação da reforma trabalhista espanhola

Nova legislação altera pouco da vigente desde 2012 e nada tem a ver com a reforma brasileira de 2017

A noticiada “revogação” da reforma trabalhista espanhola de 2012 vem ganhando manchetes e sendo pauta de debates na esfera política. A utilização do termo, no entanto, é um exagero retórico que, apesar de reproduzido em um grande número de notícias, não condiz com o recente debate sobre a legislação espanhola. A reforma da Espanha (Real Decreto-Ley 03/2012) foi aprovada em um contexto de grave crise econômica e taxas de desemprego de cerca de 20%. Sob esse pano de fundo, a legislação trouxe uma série de medidas, cujo principal objetivo era o combate, em curto prazo, do desemprego.

Dentre as adequações à legislação do país:

  • facilitou-se a contratação de aprendizes, a celebração de contratos de treinamento e de experiência (como o aumento do prazo de duração do contrato “formativo”);
  • criaram-se benefícios fiscais para incentivar contratações, por exemplo, pela efetivação de estagiários em contratos por tempo indeterminado;
  • permitiu-se que o trabalhador que recebesse seguro-desemprego continuasse recebendo um percentual desse benefício após ser contratado;
  • extinguiu-se a ultratividade – prorrogação automática – dos acordos coletivos locais.
De forma resumida, foram ajustes que tinham como finalidade estimular, rapidamente, a criação de novos postos de trabalho. Passada cerca de uma década da aprovação dessa chamada reforma, a Espanha realizou, basicamente, um balanço dessas medidas, como parte natural de um ciclo de política. O objetivo foi aferir seus resultados para, a partir daí, traçar políticas futuras, sem abandonar o que foi feito. Isto é, reavaliaram-se os rumos da política de emprego em um cenário totalmente diferente do início da década passada no país. 

Deste debate, conduzido à luz do atual cenário econômico da Espanha, resultou a aprovação do Real Decreto-ley 32/2021 (íntegra – 536KB), o qual, segundo alguns, representa uma “revogação” da reforma de 2012.

Contudo, o fato é que não houve revogação.

Como a quadratura econômico-social é outra, alguns dos ajustes de 2012 mencionados, que visaram o estímulo imediato de criação de emprego, foram revistos. Por exemplo, nas mencionadas medidas relativas aos contratos “formativos”, o prazo alargado da lei de 2012 foi revogado. Também se retornou ao status quo ante no que diz respeito à ultratividade, dispositivo que, no passado, já foi criticado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A verdade, de toda forma, é que esse foi um dos poucos pontos alterados. A reforma de 2012 não foi, de forma alguma, abandonada. O que torna necessário destacar aquilo trazido há uma década que agora foi mantido ou, até mesmo, aprofundado.

Voltando aos contratos formativos, a nova lei possibilitou, permanentemente, essa modalidade para pessoas de até 30 anos (pela lei de 2012, seria até 25 anos, salvo em caso de taxa de desemprego acima de 15%, quando o limite de idade seria de 30 anos). Ou seja, consolidou-se, nesse ponto, a norma anterior, tendo sido, inclusive, aprofundada.

No mais, muito pouco da norma de 2012 foi alterado. De modo efetivo, a lógica da nova legislação é muito mais uma “alteração de rota”, alinhada ao novo cenário socioeconômico da Espanha e à política de emprego do novo governo eleito.

Para se ter ideia, esta nova norma avançou no debate de temas como terceirização (especificamente, sobre responsabilidade solidária do contratante em matéria de seguridade social) e contrato temporário (diminuição do tempo máximo de prorrogação do vínculo sem que seja convertido em contrato por tempo indeterminado), que não haviam sido abordados pela anterior.

Vale dizer que o contexto da reforma espanhola de 2012 nada tem a ver com o da reforma trabalhista brasileira de 2017, que não teve como mote a criação rápida de empregos. A nossa pautou-se, isso sim, pela modernização, pela simplificação e pela desburocratização de normas trabalhistas que já estavam totalmente antiquadas e que vinham trazendo grave insegurança jurídica às relações laborais.

A partir dessa modernização é que se buscou estimular, de maneira mais consistente, a atividade econômica e o ambiente de negócios no país, sendo certo que vêm sendo criadas vagas de emprego no país em um ritmo constante.

Em todo caso, para concluir, é preciso que fique claro, para o debate político brasileiro, que a reforma trabalhista espanhola de 2012 não foi revogada, diferentemente do que vem se difundindo.


Fonte: Pode 360