A importância do diálogo e da negociação coletiva para a retomada econômica


Na "maior crise sanitária da nossa época", como chamou a Organização Mundial de Saúde (OMS), as economias e os mercados de trabalho brasileiro e do resto do mundo sofreram significativos impactos negativos. Nesse cenário, paralelamente às medidas de saúde pública e de retomada econômica, o mundo do trabalho foi palco de importantes medidas para a continuidade das atividades econômicas e preservação de empregos e da renda.

No Brasil, algumas das principais providências adotadas em 2020 foram a flexibilização das regras de adoção do teletrabalho, a ampliação do banco de horas e a possibilidade de antecipação de férias individuais e feriados (trazidas pela Medida Provisória 927/2020). Além disso, com maior destaque, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permitiu, de forma temporária, observados os critérios legais, por acordo individual ou instrumento coletivo, a redução do salário e da jornada de trabalho, a suspensão do contrato de trabalho e o pagamento do benefício emergencial (previstos na Medida Provisória 936/2020, convertida na Lei 14.020/2020). Essas medidas voltaram a ser editadas em 2021, pelas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046, já caducadas.

Com isso, foi possível preservar milhões de empregos e contribuir para a continuidade de muitas das atividades econômicas. Para se ter uma ideia, segundo dados do Ministério da Economia, somente o Programa do Benefício Emergencial de 2020 foi responsável pela manutenção de cerca de dez milhões de empregos, e, em 2021, beneficiou cerca de 2,6 milhões de trabalhadores.

Essas ações adotadas pelo Brasil durante a pandemia não diferem muito daquelas adotadas por diversos outros países. Alemanha, Áustria, Espanha, França, Itália e Canadá, por exemplo, incorporaram alternativas trabalhistas similares às nossas, tais como o incentivo à adoção do teletrabalho e à fruição do uso de períodos de férias ou outros repousos obrigatórios, e a adoção de regras para redução de jornada e de salários temporária e de suspensão contratual, a fim de ajudar empresas e trabalhadores a lidarem com os impactos da Covid-19 e se protegerem contra a perda de empregos e prejuízos na economia.

Ademais, nesse período, a negociação coletiva continuou como uma alternativa importante para ajustar as condições de trabalho ao cenário de crise, considerando a necessidade de cada empresa e categoria de trabalhadores. Para tanto, passou por adaptações específicas para o contexto da pandemia da Covid-19, com aumento expressivo de cláusulas coletivas tratando de temas específicos para minimizar os impactos da crise.

Em comparação com 2019, por exemplo, o número total de instrumentos coletivos que abordaram cláusulas relacionadas a teletrabalho em 2020 aumentou significativamente (de 1.122, em 2019, para 4.042, em 2020, ou 360% de aumento). Considerando-se o total dos instrumentos firmados, a proporção de negociações sobre teletrabalho aumentou de 3% para 14,1% [1].

Note-se, ainda, que 5.038 instrumentos foram negociados em 2020 quanto à manutenção de empregos (dos quais 4.472 foram acordos coletivos e 566 foram convenções coletivas), sobretudo em abril de 2020, em que esse número chegou a um total de 2.011 instrumentos (1.797 acordos e 214 convenções).

Também houve um aumento da presença de benefícios nas negociações. Entre outros, em 2020 negociou-se mais sobre plano de aposentadoria, seguro de vida, plano de saúde, convênio farmácia, vale-refeição, auxílio-doença/invalidez e auxílio-funeral/morte.

É de se constatar, assim, que a negociação coletiva foi (e tem sido) uma ferramenta importante para delimitar benefícios, direitos e deveres específicos para lidar com os impactos da pandemia nos empregos.

Na esteira das dificuldades que o Brasil e o mundo vêm enfrentando para caminhar em direção à retomada econômica, a negociação coletiva, a par das importantes medidas legislativas adotadas pelo país, é certamente um fator que contribui para mudanças positivas. O seu fortalecimento propicia o diálogo e a conciliação, favorecendo a redução da excessiva litigiosidade trabalhista.

Ainda assim, há muito o que avançar para superarmos essa crise de vez e retornamos ao trilho do crescimento. O caminho para a recuperação demanda a aceleração da competitividade e a criação de um ambiente favorável aos negócios, que ofereça segurança jurídica, melhore as expectativas e estimule o investimento. Isso se torna ainda mais urgente com a revolução digital que nos bate à porta.

Nesse rumo, é preciso continuar a modernização trabalhista, tendo como pilares o fortalecimento do diálogo e da negociação, bem como a desburocratização e simplificação da legislação, com foco na prevenção de litígios, na segurança jurídica e no fomento do uso de ferramentas de soluções extrajudiciais de conflitos. 


[1] FIPE. Boletim do Salariômetro, com balanço do ano de 2019, está disponível. em http://salariometro.fipe.org.br/assets/boletins/pdfs/boletim_2020_01.pdf. O balanço do ano de 2020 está disponível. em http://salariometro.fipe.org.br/assets/boletins/pdfs/boletim_2021_01.pdf. Acesso em 23/04/2021.

Sylvia Lorena é gerente-executiva de relações do trabalho da CNI e ex-membro do Conselho de Administração da OIT.

Camila Jardim Aragão é especialista em Relações do Trabalho da CNI, LL.M. em Direito do Trabalho e Direito Constitucional pela Columbia University e especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade Católica de Brasília.

Fonte: Conjur