Estudo defende que reforma trabalhista espanhola não se aplica ao Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se mostrado um entusiasta da reforma trabalhista realizada na Espanha no fim de 2021 por meio do Decreto Real 32/2021. O chefe do Executivo brasileiro cita a alteração legislativa ibérica como modelo para o Brasil em uma possível revisão da reforma trabalhista ocorrida no país em 2017. No entanto, será que a reforma espanhola pode ser “importada” para o Brasil?
Segundo estudo publicado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore e pela ex-integrante do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e gerente-executiva de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sylvia Lorena, a resposta é negativa. “Seria equivocado aplicarmos essa reforma no Brasil. Não caberia a nós fazer essa reforma. Ela não é boa nem ruim, ela não se adapta”, explica Pastore. Leia a íntegra do estudo.
Durante a campanha presidencial, Lula chegou a falar em revogar a reforma trabalhista, mas logo mudou o tom diante das críticas e adotou um discurso mais pragmático, com alguma alterações. Nesse sentido, Lula se mostrou aberto às mudanças espanholas, tanto que ele e sua equipe receberam informações da própria ministra do trabalho da Espanha, Yolanda Díaz Pérez. Além disso, chegou a receber no Brasil um grupo de técnicos espanhóis para expor os detalhes a interlocutores brasileiros e centrais sindicais.
Os números espanhóis têm enchido os olhos de Lula: os gastos com seguro-desemprego caíram no país ibérico, as contribuições previdenciárias cresceram, os contratos temporários diminuíram e os contratos por tempo indeterminado aumentaram.
Embora a Espanha venha colhendo respostas positivas, isso não significa que o Brasil conseguirá os mesmos resultados devido às diferentes realidades entre os países. De acordo com o estudo “A reforma trabalhista da Espanha é indicada para o Brasil?”, a explicação está em pontos chaves: o Brasil não tem tanto trabalho de curta duração como na Espanha, o país convive com a informalidade trabalhista como problema central e não adotou a Convenção 158 da OIT, que estabelece regras específicas para a demissão sem justa causa — caso contrário, o funcionário pode ser reintegrado ao quadro.
“O que existe entre nós [brasileiros] é muita informalidade. A informalidade aqui é muito séria, atinge 40% da população. Infelizmente a informalidade não é um assunto que a gente possa resolver com uma lei. Se pudesse resolver por lei, não existiria informalidade em país nenhum. A informalidade, para ser reduzida, depende de muitas mudanças no processo produtivo”, explica Pastore.
“O Brasil precisa crescer economicamente, aumentar o número de oportunidades e de bons empregos. Isso está ligado à estrutura de produção do Brasil, que é muito perversa. Se você pegar a força do trabalho, vai verificar que 2/3 da força de trabalho trabalha em atividades muito simples, muito rudimentares, de alta rotatividade e baixa renda”, complementa.
A reforma espanhola centrou-se em alguns eixos: limitar o trabalho temporário no país; prevalência das convenções sobre os acordos coletivos; responsabilidade solidária de empresas contratantes sobre funcionários terceirizados; aumentar a qualificação profissional e o retorno da ultratividade – situação em que cláusulas de acordos e convenções coletivos, com validade já expirada, são incorporadas aos contratos individuais de trabalho, até que outra norma coletiva sobrevenha.
Segundo o estudo, o trabalho temporário não é um problema para o Brasil como ocorre na Espanha. Antes da reforma, uma média de 90% das vagas criadas no país europeu eram temporárias e os contratos variavam de 7 dias a 6 meses. Apenas cerca de 10% dos contratos eram de longa duração. Em 2022, após a reforma, a proporção caiu para 61,1% e 38,9%. A explicação para esse excesso de vagas temporárias é a adesão da Espanha à Convenção 158 da OIT, que torna o custo da demissão muito alto e faz com que as empresas optem por contratos temporários.
Contudo, os autores demonstram que no Brasil, embora haja rotatividade, as contratações formais são majoritariamente via contratos de prazo indeterminado. E, desde 1996, o Brasil não faz parte da Convenção 158. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADI 1625 e da ADC 39, manteve afastada a Convenção 158 do ordenamento jurídico brasileiro. Ainda cabe recurso.
No Brasil, o modelo de indenização por demissão é indenizatório (pagamento de multa, FGTS e aviso prévio), enquanto na Espanha é reintegrativo, isto é, se não for confirmado o motivo da demissão, o funcionário terá que ser reintegrado.
Quanto à prevalência das convenções sobre os acordos coletivos, a Espanha estabeleceu que a regulação dos salários e de seus complementos seja realizada por convenção e não por acordo coletivo como foi até 2021. No Brasil, com a reforma trabalhista de 2017, nada impede uma categoria específica de realizar negociações articuladas de modo a fixar as cláusulas gerais na convenção coletiva e as específicas nos acordos coletivos. A mudança foi uma resposta à Justiça Trabalhista que tinha precedentes no sentido de que as condições estabelecidas em convenção coletiva, quando mais favoráveis, prevaleciam sobre as estipuladas em acordo coletivo.
Em relação à ultratividade, a reforma trabalhista de 2017 também vedou a prática e o STF já validou a constitucionalidade na ADPF 323. O STF também já permitiu a terceirização irrestrita e fixou tese no sentido de responsabilização subsidiária pelo descumprimento das normas trabalhistas e previdenciárias. Ou seja, somente se a empresa contratada não cumprir com as obrigações é que a contratante pode ser chamada.
O Decreto Real 32/2021 buscou reduzir as diferenças entre as condições dos trabalhadores terceirizados e não terceirizados e reforçar a responsabilidade das empresas contratadas ou subcontratadas por meio de diferentes níveis de responsabilidade solidária. Dessa forma, com a reforma, os trabalhadores passam a ter condições de trabalho decorrentes de negociações cruzadas. Ou seja, os empregados da contratada terão as proteções das convenções e acordos da contratada e das convenções e acordos da empresa contratante. O que, na visão do estudo, encarece e torna a terceirização mais complicada no país europeu.
“Os cenários são realidades diferentes. Com cenários de mercado de trabalho diferentes, portanto, a solução que foi encontrada para a Espanha não serve para o Brasil. No Brasil, nós modernizamos e simplificamos uma legislação e nós temos que focá-la em aplicá-la com segurança jurídica e avançar nesse cenário de modernização”, defende Sylvia Lorena, uma das autoras do estudo.
Fonte: JOTA