STF determina suspensão de ações civis públicas trabalhistas por discussão sobre o limite territorial da eficácia da sentença

No último dia 17 de setembro, o Ministro Ricardo Lewandowski deferiu liminar para suspender a tramitação de Ação Civil Pública (ACP) em trâmite na Justiça do Trabalho, pois nela se discutia o limite territorial da eficácia de sua sentença.

Pouco antes, em 21 de julho, o Ministro Dias Toffoli, no exercício da Presidência, deferiu liminar em sentido igual, suspendendo a tramitação de outra Ação Civil Pública em trâmite no judiciário trabalhista.

Tratam-se, respectivamente, da Reclamação nº 43.191 e da Reclamação nº 42.302.

Em ambos os casos, os Ministros consideraram existir desrespeito ao decidido pelo STF no RE 1.101.937. Neste processo, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.075), foi determinada a suspensão de todos os casos em que se discute a aplicação do art. 16 da Lei 7.347/1985, isto é, sobre se a coisa julgada decorrente de Ação Civil Pública possui eficácia erga omnes (para todos) apenas no limite territorial do órgão prolator da decisão.

Trata-se de importante matéria, ainda pendente de julgamento definitivo, sobre a eficácia da coisa julgada da sentença condenatória em Ações Civis Públicas estar restrita ao limite territorial do órgão julgador (inclusive as de natureza trabalhista).

Entendendo a discussão sobre o limite da eficácia territorial da sentença condenatória da Ação Civil Pública

Até a edição da Lei 9.494/97, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) dispunha que a sentença nas ACPs teria eficácia erga omnes, ou seja, abrangeria todo o território nacional em relação às mesmas partes. Assim, por exemplo, uma obrigação estabelecida para uma empresa em uma ACP decidida em uma cidade tornar-se-ia obrigatória também para a mesma empresa em suas filiais em todo o país.

Com a Lei 9.494/97, o artigo 16 da Lei da ACP restringiu a produção do efeito erga omnes da sentença ao limite territorial do órgão prolator da decisão. Nesse sentido, a nova redação do art. 16:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova

Em 1997, na análise da Medida Cautelar da ADIn 1.576, o STF havia confirmado a constitucionalidade da limitação territorial dos efeitos da sentença em ACP, conforme estabelecido pela Lei 9.494/97 (redação atual do artigo 16 da Lei 7.347/85). Contudo, não houve o julgamento de mérito da referida ADIn, pois antes disso ela foi arquivada em virtude de falta de aditamento da petição inicial. Assim, a análise da constitucionalidade da limitação territorial (art. 16 da Lei 7.347/85) não foi concluída pelo STF.

Com isso, diversas ações em trâmite no Judiciário passaram a abordar discussões sobre a inconstitucionalidade da limitação territorial dos efeitos da sentença em ACP. Também houve, em várias ações a defesa da aplicação do artigo 103, I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que estabelece a eficácia erga omnes sem limitação territorial das sentenças proferidas em ações coletivas.

Já em 14 de fevereiro desse ano, o Plenário Virtual do STF, analisando o Recurso Extraordinário (RE) nº .1.101.937, reconheceu por maioria a constitucionalidade da discussão e a repercussão geral da matéria (Tema 1.075), conforme acórdão publicado em 27 de fevereiro:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 16 DA LEI 7.347/1985, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.494/1997 . CONSTITUCIONALIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a questão acerca da constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985, com a redação dada pela Lei 9.494/1997, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator. 2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.

Esse acórdão de reconhecimento da repercussão geral foi seguido por decisão (disponível na página eletrônica do STF), do Ministro Relator, Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão de todos os processos em que se discute a aplicação do artigo 16 da Lei 7.347/85 (com a redação dada pela Lei 9.494/97). A esse respeito, veja-se trecho da decisão mencionada:  

“Trata-se de Recurso Extraordinário no qual reconhecida a repercussão geral do debate relativo à ‘constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator’ (DJe de 27/2/2020, Tema 1075).

Com base no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, DECRETO a SUSPENSÃO do processamento de todas as demandas pendentes que tratem da questão em tramitação no território nacional – inclusive a ação coletiva subjacente a estes autos, em que proferida a decisão interlocutória impugnada por este recurso extraordinário.”

Importante destacar que o mérito da questão ainda não foi julgado, não havendo data prevista até o momento para que o STF inicie sua análise.

De toda forma, cabe lembrar que o STF, julgando o RE 612043, com Tema de Repercussão Geral 499, considerou constitucional a restrição da eficácia erga omnes ao limite territorial do órgão prolator da decisão, nas sentenças de ações coletivas propostas por entidades associativas, na defesa do interesse de seus associados, conforme previsto no artigo 2º-A da Lei 9.494/97. Trata-se de questão semelhante àquela pendente de julgamento no STF (inclusive, houve citação desta decisão no acórdão de reconhecimento da matéria discutida no RE 1.101.937 - tema de repercussão geral 1.075).

Suspensão de tramitação de Ações Civis Públicas na Justiça do Trabalho

Na Justiça do Trabalho, ao longo dos anos, diversas decisões também definiram a aplicação da eficácia erga omnes das sentenças proferidas em Ações Civis Públicas (com base no Código de Defesa do Consumidor), afastando o disposto no artigo 16 da Lei 7.347/85 (com a redação dada pela Lei 9.497/97).

No entanto, após a ordem de suspensão de todos os processos que discutiam a questão da aplicação do artigo 16 da Lei 7.347/85 pelo STF (conforme descrito acima), houve ainda na Justiça do Trabalho alguns novos debates judiciais sobre o referido tema (eficácia erga omnes da sentença em ACP).

Em decorrência disso, os interessados têm apresentado Reclamações ao STF, apontando desrespeito à ordem de suspensão dos processos em que se discute a matéria.

Dois êxitos no STF, nesse sentido, são as decisões nas referidas Reclamações 43.191 e 42.302. Em ambas foi reconhecido o desrespeito à ordem de suspensão dos processos, e, por isso, foram concedidas liminares para determinar a suspensão da tramitação das Ações Civis Públicas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho.

Ambas as decisões podem ser lidas na página eletrônica do STF, nos seguintes endereços: Reclamação 43.191 e Reclamação 42.302.

Fonte: CNI