Trabalho intermitente ganha relevância na indústria durante a crise de 2020

Levantamento da CNI mostra que 45% das empresas com intermitentes ouvidas ampliaram o número de contratos. Um dos motivos foi agilidade para gestão de pessoal diante de flutuações da demanda na crise


Trazido na reforma trabalhista de 2017 para abrir nova possibilidade de formalização do trabalho, o contrato de trabalho intermitente vem consolidando sua presença no emprego na indústria. Consulta da Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada pela primeira vez em sua base, mostra que 15% das 523 empresas entrevistadas firmaram contratos nesta modalidade nos últimos dois anos. Dentre as que utilizaram a modalidade, 85% pretendem contratar intermitentes em 2021 e em 2022.

Além disso, o levantamento identificou que o regime mostrou ser importante instrumento para manutenção de vínculos formais num contexto de imprevisibilidade trazido pela pandemia da covid-19. No primeiro ano da crise sanitária, 45% das indústrias com empregados nessa modalidade disseram ter ampliado o número de contratos nas empresas, e 44% o mantiveram. Um dos motivos apontados pelas empresas para utilização do regime intermitente, dentre outros, está na possibilidade de rápida adequação da força de trabalho à flutuação repentina de demanda.

“A pandemia impôs enormes desafios para o planejamento e a gestão da indústria. As velhas sazonalidades deram lugar a períodos de paralisação da produção e aumento repentino de demanda. Nesse contexto, o contrato intermitente se mostrou um instrumento importante para que as empresas pudessem dimensionar sua força de trabalho num cenário de grandes incertezas”, analisa a gerente-executiva de Relações do Trabalho da CNI, Sylvia Lorena.

               

Maior parte dos intermitente trabalha no chão de fábrica

Além de o contrato intermitente permitir uma gestão ágil do pessoal interno para adequá-lo a flutuações na produção, essa modalidade de contratação também foi avaliada como relevante por permitir a retenção de vínculos. Ao todo, 70% das empresas consultadas concordam que a modalidade se tornou importante para que a manutenção de vínculo com trabalhadores com habilidades e perfil específicos para certas atividades, mas para os quais não há demanda de prestar serviço em tempo integral. Entre as pequenas indústrias, cujo quadro de empregados em tempo integral costuma ser mais enxuto, a concordância foi de 77%.

Quando se olha a função exercida pelos empregados neste regime, dois em cada três contratados estavam alocados nas operações industriais, o “chão de fábrica”. Serviços de conservação e limpeza, citado por 20% das empresas, e o de transportes (18%) completam a lista das principais áreas para as quais as empresas recorrem a este regime de trabalho.

Maioria dos contratos intermitentes prevê mínimo mensal de horas

Dentre as indústrias que utilizaram intermitentes, 72% formalizaram no contrato um número mínimo de horas mensais. Os quantitativos de horas pré-contratadas mais comuns são até 8 horas por mês, presente em 20% dos registros, e mais de 40 horas mínimas, presente em 23% dos contratos. Segundo a análise trazida pela consulta, uma hipótese é a utilização do contrato intermitente para jornadas de tempo parcial, mas sem a maior rigidez horária dessa modalidade de contratação.

Sylvia Lorena lembra que a definição de um número mínimo de horas nos contratos intermitentes pode ser explicada pela necessidade de gestão de sua força de trabalho. Além de conferir previsibilidade à prestação do serviço, permite às empresas dispor de trabalhadores em período compatível com a demanda pelo serviço que, como também mostra a pesquisa, tem sido predominantemente prestado nas áreas operacionais das indústrias.

          

“Essa flexibilidade que o contrato intermitente confere, no contexto da crise de 2020, se mostra interessante para a gestão de pessoal em meio a imprevisibilidade sobre a recuperação da economia este ano”, explica. “Poder alocar os trabalhadores, sem processos contínuos de admissão e demissão, em serviços efetivos é um dos elementos da equação que tornou o intermitente uma alternativa interessante enquanto as empresas seguem com faturamento restrito”.

Intermitente ganha relevância, mas não substitui contratos por tempo integral

Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), a indústria respondia por 13% do estoque de 156 mil empregos por vínculo intermitente em 2019 (dado mais recente), e a construção civil, por 15% - o que representava menos de 0,5% do emprego formal. Em 2020, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) mostrou que os contratos intermitentes responderam por 74 mil dos 142 mil do saldo positivo de empregos.

O dado vai de encontro ao aumento da utilização de contratos intermitentes pela indústria. No entanto, a consulta mostra que das empresas que firmaram contratos intermitentes em 2019 e 2020, 60% afirmam ter empregado entre 1 e 10 trabalhadores na modalidade, enquanto 11% mantiveram entre 11 e 20 vínculos intermitentes e 29% firmou mais de 20 contratos.

O especialista em Relações do Trabalho da CNI, Pablo Rolim avalia que o dado é forte indicativo de que não há substituição do típico contrato de trabalho em jornada em integral. “A consulta aponta que o contrato intermitente cumpre sua função de permitir complementar a força de trabalho para a execução de funções específicas”, explica.

Apesar do maior interesse, empresas ainda apontam dificuldades para contratar intermitentes

As indústrias mantêm uma percepção positiva do contrato intermitente e, inclusive, pretendem ampliar a utilização desta modalidade. No entanto, as empresas ainda apontam fatores que reduzem ou dificultam as contratações.

De acordo com a consulta, o principal motivo são dúvidas sobre a validade da lei, que é alvo de ações de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme apontado por metade das empresas ouvidas (a consulta permitiu apontar mais de uma resposta).

Na sequência, as empresas indicam que a própria atividade da empresa dificulta a contratação em regime intermitente, citado por 44% das entrevistadas. Insegurança sobre se o trabalhador atenderá ao chamado para o trabalho é o terceiro fator que motiva receio nas empresas, apontado por 33% das ouvidas.

“As atividades na indústria, por natureza, demandam maior qualificação e capacitação técnica de seus empregados, o que reforça a percepção de que o trabalhador intermitente na indústria tem sido contratado com um perfil ou habilidade específica”, analisa Rolim.

Fonte: Agência CNI de Notícias